Vila Paciência - Favela do Aço

25/07/1967

Vila Paciência - Uma história de resiliência 

Texto por Guaraci Rosa

Os primeiros indícios de remoção de favelas no Rio de Janeiro datam dos anos 1920, quando os residentes do Morro Santo Antônio, no Centro do Rio, foram expulsos para o governo abrir caminho à urbanização. Esse marco inaugurou um processo de deslocamento de habitantes considerados "indesejáveis" de suas moradias. Inicialmente, nas décadas seguintes, esse processo ocorreu de forma gradual, mas foi nos anos 1960 que testemunhamos o surgimento de uma política oficial de remoções.

Em 1962, nasceu a Companhia de Habitação Popular do Estado da Guanabara (CEHAB-GB), conhecida hoje como CEHAB-RJ. Posteriormente, em 1964, surgiu o Banco Nacional de Habitação (BNH), que passou a assumir o financiamento das construções. Inicialmente, a CEHAB financiava conjuntos habitacionais e, com o tempo, o BNH assumiu essa responsabilidade.

É nesse contexto que emerge a história da Vila Paciência. Situada originalmente no bairro de Paciência, uma alteração cartográfica realocou a comunidade para Santa Cruz. Em 1967, foi "inaugurada" a parte baixa da vila, composta por 52 blocos com 10 casas cada um. A peculiar forma dos blocos, assemelhando-se a vagões de trem, logo lhes rendeu o apelido de “vagão”, por parte dos moradores.

“Tais moradias eram elevadas a cerca de meio metro do solo, sustentadas por pequenos pilares de tijolo. Cada corredor abrigava cinco casas de cada lado” (Saliby). Em 25 de julho de 1967, os primeiros habitantes chegaram ao conjunto. Eram 61 famílias, totalizando 455 pessoas que outrora viviam em condições precárias na Fazenda Modelo, na estrada do Mato Alto, na Ilha de Guaratiba. Eram pessoas que haviam sido desalojadas de diversas favelas no Rio, todas oriundas da miséria.

A parte alta do conjunto foi inaugurada em 1971, consistindo em 100 blocos com 8 casas cada um, variando entre unidades de 2 quartos e 1 quarto. Tanto na parte baixa quanto na parte alta, inúmeras casas foram entregues sem emboço. 

Vale ressaltar que o governo estadual classificou essas moradias como "provisórias", proibindo qualquer tipo de acréscimo à estrutura. As famílias não possuíam direitos de propriedade sobre as casas que habitavam.

No momento da "inauguração" do conjunto, não existiam escolas, postos de saúde, saneamento básico ou transporte adequado. A presença policial se resumia a um único posto. Apenas na década de 1970 uma escola foi estabelecida na comunidade. Os moradores caminhavam quase um quilômetro para acessarem meios de transporte. 

Fotografia em preto e branco de Chagas atravessando a rua de dia, a foto foi tirada de lado. À esquerda, algumas casas simples da Comunidade Vila Paciência, com janelas e portas abertas para a rua.
Chagas Freitas na comunidade Vila Paciência, dezembro de 1974. Fonte: Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro - AGCRJ.    
Fotografia em preto e branco de algumas casas geminadas, com paredes de Barro, portas e janelas de madeira. À frente da primeira casa da esquerda, uma mulher carrega um saco pesado. atrás dela, outra mulher segura uma sacola na mão direita e um pote na esquerda. Mais atrás, um varal, com um lençol pendurado, e uma criança pequena descalça, brincando na rua.
Aspecto da Vila Paciência, 1971. Fonte: Arquivo Nacional - Fundo Correio da Manhã.     

Ao longo dos anos 1960 e boa parte da década de 1970, numerosas famílias foram reassentadas na Vila Paciência. O discurso oficial era repetitivo: "Isso é apenas provisório...".

Na década de 1970, os jornais registravam altos índices de mortalidade infantil no bairro. Com o tempo, a violência aumentou, e poderes paralelos disputaram o controle da comunidade, agravando ainda mais a situação.

Após mais de cinco décadas de existência, a Vila Paciência ainda enfrenta a negligência do poder público. O que fora originalmente concebido como "provisório" se tornou a realidade permanente para centenas de famílias, representando uma história de resiliência em meio a desafios diários.

Atualmente, os residentes desta região perseveram na busca por aprimoramentos em sua qualidade de vida. Essa determinação se manifesta tanto no âmbito individual, refletida em seus esforços profissionais, quanto no âmbito coletivo, onde unem forças para promover melhorias em toda a comunidade.

Fotografia colorida de dois garotos, trajando bermuda jeans e camiseta branca, de costas, com os corpos voltados para a favela ao fundo, durante o dia. À frente deles, um tronco de árvore queimado e caído em meio ao mato.
Vista da Favela do Aço do alto, ao fundo o Hangar do Zeppelin. Foto por Mônica Parreira.    
Fotografia colorida de três garotos jogando futebol, em uma quadra cercada por uma rede de arame, durante o dia. ao fundo da quadra, A foto foi tirada por trás de uma parte da rede rasgada. Ao fundo, algumas casas com tijolos sem reboco. Mais adiante, duas árvores.
Meninos jogando bola em uma quadra localizada na Favela do Aço. Foto por Mônica Parreira.    
Fotografia colorida, panorâmica, de um grande aglomerado de casas de tijolos vermelhos, sem reboco, em meio a algumas árvores. À esquerda da foto, um prédio de Quatro Andares.
Rua das Mangueiras na Favela do Aço vista do alto. Foto por Mônica Parreira.    

Conheça mais:

NOPH Traz Debate Sobre a Importância da Memória e União das Comunidades Faveladas de Santa Cruz | Rio On Watch

REFERÊNCIAS

CORREIO DA MANHÃ, Rio de Janeiro, 26 jul. 1967.

JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 26 jul. 1967.

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Published in 12/11/2023

Updated in 29/02/2024

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